domingo, 9 de junho de 2019

Um Dia Eu Nasci Aqui

Miradouro S.Luzia




UM DIA EU NASCI AQUI
(inspirado no “Eu Sou Português Aqui” de José Fanha

Um dia eu nasci aqui,
Nesta Lisboa do fado,
Criado entre o carvão.
Nascido de pai do norte,
Avesso ao termo sorte,
Dedicado ao ganha-pão.

Um dia eu nasci aqui,
Não em berço dourado
Mas numa vida sofrida,
Numa grande contenda.
Na tasca que era vida,
Do copo tinto.
Da venda.

Nasci na cidade nobre,
No Largo do Limoeiro,
No meio de gente pobre
Mas de grande coração.
Em tempos de nevoeiro
Quando o medo imperava,
Faltava tudo, até o pão.

Um dia eu nasci aqui,
Neste jardim virtuoso
Palco da brincadeira.
Da bola de trapos,
Do gozo,
Do sentimento gostoso,
Da amizade verdadeira.

Vivi,
Nesta Alfama velhinha
Repleta de tradições.
Daquela rua estreitinha
Da luz fosca,
Da penumbra.
Nos carrinhos de esferas,
No berlinde e no pião
Fomos felizes, as feras.

Um dia eu nasci aqui
No meio de outros putos,
Reguilas mas atinados,
Que cresceram,
Hoje são homens
Sempre na vida focados.

Nasci aqui
Era Janeiro,
E nunca esqueci,
Já nesta idade,
O grande valor
Da amizade.

Nasci aqui junto ao jardim
Que sempre foi
Parte de mim.

Ainda não estou acabado,
Nem ausente.
Eu estou na luta,
Na luta dura,
Do velho fado,
Ainda presente.

Um dia eu nasci aqui,
Alfacinha de gema,
Talvez sem jeito

Um dia eu nasci aqui
E tenho este meu Bairro
Bem pertinho,
Junto do peito.

JOÃO BARBOSA
22.Out.2014



O Poema Que Eu Não Queria




 
  














O POEMA QUE EU NÃO QUERIA

É triste perder avós
Que são mais velhos que nós
Podemos até aceitar.
Mas perder quem nós amamos
Mais cedo do que esperamos
É difícil de acatar.

Perder filho ou irmão
Ultrapassa a razão
Da lei natural da vida.
Nos outros imaginamos
Mas nunca nos preparamos
Para coisa tão dorida.

Mafalda era o seu nome
Sofia de sobrenome
Primeira filha a nascer.
Uma tenrinha criança
Cheia de fé e d’esperança
Numa vida para viver.

Assim não quis o destino.
Deixou-nos. Que desatino !!
Não havia outra maneira.
Vinte e três tinha de idade
Quando a vida, que maldade,
Nos passou esta rasteira.

Zé Abílio, meu irmão.
Amigo e folgazão,
Ainda sinto o seu fulgor.
Tinha sede de viver
E sempre conseguiu ser
Adorado com fervor.

Meu irmão e meu herói,
Quando o digo até dói.
Da tristeza que ficou.
Pouco passava dos trinta
Foi apanhado na finta
Que o coração lhe pregou.

A vida continuou
Mas muita coisa mudou,
Ficou a dor, a saudade.
Hoje vivo recordando,
Muitos dias vou chorando,
Mesmo já com esta idade.

É triste um pai perder
E uma mãe já não ter,
Mas perder o nosso irmão
E uma filha tão querida,
São lanças que deixam ferida,
Despedaçam o coração.

Este poema foi escrito
Embora não tenha querido
Um dia ter de o escrever.
Agora que já está feito
Sinto um alívio no peito.
Com eles estive a viver.

João Duarte Barbosa
13.Dez.2014

sábado, 8 de junho de 2019

O Antonio e a Sofia



O ANTÓNIO E A SOFIA

Os meus pais, 
a quem devo tudo o que sou.



O ANTÓNIO E A SOFIA

Se na vida buscas sorte
Para que possas ser forte,
Busca mesmo à nascença.
Porque sorte tive eu
Com os pais que Deus me deu.
O que fez toda a diferença.

O António e a Sofia
Foram tudo o que eu queria
Nada deixando faltar.
Não me deram muito peixe,
Embora eu não me queixe,
Ensinaram-me a pescar.

Com catorze, era um menino,
O António vem do Minho
Para a tasca trabalhar.
Do carvão fazia bolas,
Dava vinho aos bebedolas,
Para dinheiro ganhar.

De empregado de balcão
Logo se tornou patrão
Porque fez economias.
Noutros negócios entrou,
Até três táxis comprou,
Conseguindo mais-valias.

A Sofia, costureira,
Também, à sua maneira,
Tratando dos seus filhinhos,
Com jeito para costurar
Lá ganhava a remendar
Muita roupa dos vizinhos.

E neste esforço conjunto
Que já não se encontra muito,
Nesta casa fui feliz.
Da mãe vinha o carinho,
E do pai, o dinheirinho.
Foi assim que eu me fiz.

Conselhos nunca faltaram
P’rá vida me prepararam
Que a vida tem muito visco.
Não se pode escorregar
Sob pena de falhar
Este contrato de risco.

Na vida, o que mereço
Não se compra, não tem preço.
Tudo, só parte de mim.
É isso que ensino aos meus.
Hoje dou graças a Deus
Por ter tido uns pais assim.

Desculpem que eu não sabia
Nem sequer valor daria
Ao que fizeram por mim.
Hoje sei, também sou pai.
Farei tudo o que puder
E o melhor que eu souber
Para ser um pai assim.

Obrigado, pais.

João Duarte Barbosa
19.Mar.2017

quarta-feira, 3 de maio de 2017

Tenho tantas saudades tuas, Mafalda


Mafalda,

Faz hoje 45 anos que nasceste.
Lembro-me bem da soberba alegria que senti ao ser pai.
Fizeste-me pai pela primeira vez.
Habituado, desde sempre, a chamar pai, tinha, desde esse momento, alguém que me iria chamar pai a mim.
Nos dias seguintes não me cansei de dizer a toda a gente que já era pai, que tinha uma filha linda.
Todos tinham que saber que eu era PAI.
E um PAI todo baboso com apenas 19 anos.

Os anos que se seguiram foram difíceis.
Para ti e para todos nós que sempre te amámos.
Mas, com muita luta, determinação e muito amor, conseguimos ultrapassar quase todos os problemas e tornaste-te numa menina cada vez mais forte.
Ainda hoje todos te recordam com uma ternura que me comove.

A vida é muito cruel.
Mas temos que aceitá-la como ela é.
E muito cedo, demasiado cedo, deixaste-nos.
Com apenas 23 aninhos, deixaste-nos.
Mas estarás sempre entre nós, no nosso coração.

Guardo, religiosamente, exposto no meu escritório, o último postal do Dia do Pai que me deste.
Foi no dia 19 de Março de 1995.
Dois meses antes de nos deixares.

Nessa altura, por razões que a própria razão desconhece, andava eu meio confuso e sem rumo.
E tu sabias e reparaste nisso.
Nessa altura não era o pai que tu conheceras.
Escolheste um postal que retratava um pai sentado no chão, longe da vida, longe de tudo, a tocar saxofone, com ar desleixado, e com o filho dormindo junto a si.
Nas costas do postal, escreveste uma mensagem que, desde esse dia, me tem inspirado:

"19/3/95 Hoje é Dia do Pai.
Quero-te dizer que te amo muito que te adoro e que desejo que dias melhores venham para a tua vida, desta tua filha que muito te adora.
Mafalda
".


Cada vez que leio esta tua mensagem, choro... Estou a chorar.

E agora, filha, quero dizer-te que os teus desejos foram realizados.
Meio perdido.
Alcoolizado.
Sem força para lutar.
Sem emprego.
Sem projectos.
Sem perspectivas.
Sem ânimo.
Era o fim.

NÃO !!!
Recusei-me a aceitar.

Acordei.
E consegui.

Voltei a ser eu, o pai que tu conheceste e adoraste.
Inspirado na tua mensagem consegui que melhores dias viessem para a minha vida.
Tudo me corre bem.
Saúde quanto baste.
Dinheiro para as necessidades e alguns desvarios.
Amor e amizade quanto se possa desejar.
Agora até o Benfica, de vez em quando, joga bem e ganha.
Ganhei o passado.
Estou, claramente, a ganhar o presente.
Tenho esperança de ganhar o futuro.
E vou ganhá-lo...
Obrigado, filha.

A mana Paula, o teu cunhado Fernando e o teu sobrinho Diogo estão bem.
São felizes.
Pelo que sei, a tua mãe também.

Agora tens outra mana, a Eunice.
Aaaahhh como eu gostava que a tivesses conhecido.
Tem dezoito anos e é, pelo menos para mim, a melhor saxofonista do Concelho de Loures.
Confesso que, muitas vezes, vou dar comigo a olhar para ela como se de ti se tratasse.
É uma ternura de menina.
Como tu eras.

Tens, também, mais duas manas, não de sangue mas de coração, a Rita e a Soraia.
A Paula, a mãe delas, casou comigo.
Devo a ela muito do que tenho conseguido.
Tem sido uma companheira exemplar.

Um dia irei ter contigo.
Contar-te-ei, então, tudo.
Ficarás feliz.
Por enquanto, por cá vou ficando porque ainda tenho muito para fazer.

Sempre contigo no pensamento.
Sempre contigo no coração.

Tu sabias que eu ia conseguir.
Sempre confiaste em mim.
E eu quero continuar a cumprir os desejos que cá me deixaste naquele Dia do Pai
.

Que Deus te dê a dobro do que deixaste de ter cá na Terra.
Confio que estarás bem entregue.
Tu mereces.

Tenho muitas saudades tuas, Mafalda.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Hoje deu-me para a nostalgia

Hoje deu-me para a nostalgia.
Como os anos passam.
Recordo, com saudade, todos estes anos que vivi intensamente nesta minha tão querida e maravilhosa Fanhões.

Como Director da A.H.B.V.Fanhões.
Ainda jovem, acabado de casar, numa Assembleia Geral em que estava difícil arranjar Direcção, era sempre assim, o meu tio Luciano convenceu-me a aceitar o cargo de Secretário com o Presidente Manta, o velho Vieira, o Zé Cequilho, entre outros.
Foi uma experiência que frutificou e me levou a estar integrado na vida colectiva de Fanhões durante mais de 20 anos.
Foi o tempo dos bailaricos no Salão com as tão carateristicas modas do chocolate.
A música parava, eu e o Ze Manel Tomaz aproximávamo-nos dos pares e o cavalheiro tinha de comprar um chocolate para a dama.
Uma forma de conseguir receitas.
Foi o tempo do teatro com os saudosos Alvaro Nobre, Casimiro Gomes, Graciosa, Camilo Flores e muitos outros.
Foi o tempo das grandiosas Festas Anuais e do bufete-bar sob administração directa.
De um Corpo de Bombeiros totalmente voluntário e gratuito.
Foi o tempo da grande afirmação da Banda de Música e da Orquestra ligeira que abrilhantava gratuitamente os bailaricos.
Quem não se lembra do sempre afinado clarinete do Razão e daquele instrumento encaracolado do Bate-Folha ?

E no S.L.Fanhões.
Era preciso dinheiro.
Não havia subsídios.
Comecei a colaborar com a Direcção, integrado naquilo a que chamámos Conselho Técnico que tinha como função arranjar dinheiro.
Seguiram-se mais 15 anos como Director.
Fui Vogal, Secretário-Geral e Presidente.
Era o Luis e o Vitor Flores, o Joaquim da Laura, o Henrique Correia, o Ze Manel Oliveira, o Manuel Morganho, entre outros.
Fizeram-se cartões anuais de lotaria.
Foi o tempo dos inesquecíveis Toneios de Futebol 5.
Organizaram-se Rallies Papers.
E as Festas Anuais.
Abrimos o Café-Sede do Clube que era assegurado graciosamente pelos elementos directivos.
E desportivamente chegámos à impensável 2ª Divisão Nacional.
As instalações desportivas sofreram uma verdadeira revolução.
Fomos, a certa altura, o Clube mais representativo do Concelho de Loures.

A certa altura fui cabeça de lista do PS à Assembleia de Freguesia.
Perdi por uns escassos tres votos, salvo erro, para o meu saudoso e grande amigo, Luis Castelo que representava a CDU.
Nunca fui caçador.
Mas, consciente da enorme difusão da caça na população, prometi criar um Clube de Caçadores.
Perdi as eleições, mas como Presidente da Assembleia de Freguesia, juntei um grupo de caçadores entusiasmados com a ideia.
Era o Carlos "Porto", o Manel da Rosa, o Silvino, o Raul Mateus e outros.
Fomos à Venatória.
Organizámos sessões de esclarecimento com a Venatoria no Salão dos Bombeiros.
Construiu-se a Sede-Social do Clube no sitio onde ainda é hoje.
Aprovaram-se os estatutos.
E tudo começou.
E eu não era caçador.
Mas estive presente e actuante.

Tempos inesquecíveis, em que tudo se fazia por amor à camisola.
Por amor à terra.
Por amor às colectividades.

É com muita saudade que recordo estes tempos.
Tempos de intensa e saudável convivência.
Quando tudo, com quase nada, era possível fazer.
Porque queríamos, e conseguimos, fazer.
Que saudades...

domingo, 18 de novembro de 2012

Se estiver vivo... vou conseguir.

Domingo frio mas soalheiro.
Um curta e muito simples frase:
"1 ANO".
Sem mais.
Apenas isso:
"1 ANO".
Poderá não querer dizer nada.
Poderá querer dizer muito.
Poderá querer dizer tudo.

1 ano, este ano.
Um milhão de portugueses não têm emprego.
Os que, milagrosamente, mantêm o emprego viram os seus rendimentos brutalmente reduzidos.
Muitos, milhares, por insolvência, tiveram de devolver as casas aos bancos.
Muitos, milhares, antes classe média, vivem abaixo do limiar da pobreza.
A pobreza virou miséria.
1 ano triste e dramático para muitíssimos portugueses.

E para mim ?
E para nós ?
Claro que tivemos que nos ajustar.
Claro que tivemos de cortar no que não era fundamental.
Deixámos de frequentar hoteis e restaurantes acima da média.
O ar condicionado não pode ligar-se a toda a hora.
A roupa só se pode lavar no horário mais barato.
As luzes não podem estar acesas se não fôr necessário.
Etc...
Reduzi substancialmente as despesas.
Mas, ao contrário do governo, procurei novas formas de rendimento.
Procurei crescer ao mesmo tempo que reduzi despesas.
Mas despesas desnecessárias.

Consegui.
Pelo menos este ano consegui.

Orçamento equilibrado.
Vida mediana, sem luxos.
Mas vida.

E o próximo ?
Como vai ser o próximo ano ?
Se estiver vivo.
Se estiver na posse de, pelo menos, algumas capacidades, nomeadamente, intelectuais.
Mesmo que certas capacidades desapareçam pelo avançar da idade.
Vou conseguir.
A não ser que seja posto de lado por velhice e incapacidades inerentes.
Mas, nessa altura, saberei encontrar solução...

Que eu esteja cá.
Ou melhor dito, se me deixarem estar cá.
Vou conseguir o possível e suficiente.
Mas, impossíveis, não esperem de mim.
Farei o que puder fazer.
O que não puder... paciência.

JB





quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Eu também não paguei quando e como eles queriam


Eis senão quando, em certa altura da minha vida, vi-me sem dinheiro.
Sem emprego, sem rendimento.
Tinha uma dívida ao banco, da compra de uma carrinha, que andava a pagar.
Mas, agora, subitamente, não tinha dinheiro.
Sobravam-me alguns trocos que mal davam para sobreviver num curto espaço de tempo.
E a dívida ao banco ?
Como se pagam dívidas sem dinheiro ?
Que fazer ?

Tenho de ganhar dinheiro, pensei.
Só ganhando dinheiro conseguiria sobreviver e pagar a dívida.
Mas como ?
Era, e sou, informático.
Mas, nessa altura, já com 44 anos de idade como seria possível arranjar emprego nesta área tão exigente ?
Não era possível.
E não foi possível a curto prazo.

Mas, tinha que ganhar dinheiro, JÁ.
Para sobreviver.
Para pagar a dívida.

Com os trocos que me restavam fui comprar bolos e tentar vendê-los nos cafés das redondezas.
E lá fui vendendo, penosamente.
E a dívida ?
Fui ao banco.

Fazendo umas contas verifiquei que poderia pagar uma prestação mais suave, sobreviver e, ao mesmo tempo que, desta forma, poderia continuar a comprar bolos e vendê-los para gerar rendimento.
Se tivesse de pagar a prestação acordada inicialmente, inviabilizaria todo o processo.
Propus uma dilatação do prazo de pagamento.
A prestação seria suavizada.
O banco recebia com mais juros.
Eu daria continuidade ao meu projecto.
Todos ficaríamos a ganhar.

Mas não.
O banco não aceitou.
Tinha que pagar.
Mas não tenho dinheiro, disse eu.
Mas não.
Tem de pagar.
NÃO PAGO.
E não paguei.

A partir daí meti mãos à obra.
Como o banco recusou receber o possível.
E impossíveis não são a minha especialidade.
Fiquei com maior capacidade de fazer crescer o meu negócio de ocasião.

E ele foi crescendo, crescendo.
O banco ia, periódicamente, escrevendo cartas a que eu não respondia.
E o negócio a crescer.
O banco informou-me que iria enviar o processo para contencioso.
E o negócio a crescer.
O contencioso, passados meses, ameaçou-me que iria enviar o processo para tribunal.
E o negócio a crescer.
E o tempo passava, e passava.
Entretanto eu ia sempre respondendo a anúncios de emprego na minha área profissional.
E finalmente consegui o tão desejado emprego.
O tribunal, depois de mais uns tantos meses, comunicou-me que tinha dado entrada o processo de dívida.
Pois sim, pensei eu.
Agora, já com negócios rentáveis.
Agora, com um emprego bem remunerado.
Agora, cá em casa, já não faltava nada.
Agora, cá em casa, até já sobrava.
Agora, sim, já estava em condições de poder pagar.
E PAGUEI.

Vem isto a propósito de realçar que cabe aos credores ajudarem a criar condições aos devedores para que estes possam pagar.
Caso contrário não recebem.
Quem não tem dinheiro não pode pagar.
Ponto.

Eu paguei porque fui ensinado a cumprir os meus compromissos.
Eu paguei porque já não punha em causa a minha sobrevivência e a dos meus.
Paguei mais mas já não me fazia falta.
E reconstrui a minha vida.
Foi das melhores decisões da minha vida.
Ainda hoje estou agradecido ao banco por não ter aceite a minha proposta de pagamentos mais suaves.
Teria sido mais difícil.
Curiosamente.

Um contrato de empréstimo é um contrato de risco.
Risco para o credor porque pode não receber.
Risco para o devedor porque, por razões muitas vezes alheias, pode deixar de ter condições para pagar.
Cabe aos dois, credor e devedor, agindo de boa-fé, criar condições para que o contrato se cumpra.
Será que os credores do País estão a fazer isso ?
Ou estão a agir de má-fé e prepotentemente ?

Pagar a dívida, SIM.
Morrer à fome para a pagar, NÃO.

Eu também não paguei quando e como eles queriam.

domingo, 27 de março de 2011

Quando me tornei invisivel

Já não sei em que data estamos.
Lá em casa não há calendários e na minha memória as datas estão todas misturadas.
Recordo-me daquelhas folhinhas grandes, uns primores, ilustradas com imagens dos santos que colocávamos no lado da penteadeira.
Já não há nada disso.
Todas as coisas antigas foram desaparecendo.
E sem que ninguém se desse conta, eu me fui apagando também...

Primeiro trocaram-me de quarto, pois a família cresceu.
Depois passaram-me para outro, menor ainda, com a companhia das minhas bisnetas.
Agora ocupo um desvão, que está no pátio de trás.
Prometeram trocar o vidro quebrado da janela.
Mas, esqueceram-se.
E todas as noites por ali circula um ar gelado que aumenta as minhas dores reumáticas.
Mas tudo bem...

Desde há muito tempo que tinha a intenção de escrever, porém passava semanas a procurar um lápis.
E quando o encontrava, eu mesma voltava a esquecer onde o tinha posto.
Na minha idade as coisas se perdem facilmente, claro, não é uma enfermidade delas, das coisas, porque estou segura de tê-las, porém sempre desaparecem.
Noutra tarde dei-me conta que a minha voz também tinha "desaparecido".
Quando eu falo com os meus netos, ou com os meus filhos,não me respondem.
Todos falam sem me olhar, como se eu não estivesse com eles.
Às vezes intervenho na conversação, segura de que o que lhes vou dizer não ocorrera a nenhum deles, e de que lhes vai ser de grande utilidade.
Porém não me ouvem, não me olham, não me respondem.

Então, cheia de tristeza, retiro-me para o meu quarto e vou beber a minha chávena de café.
E faço assim, de propósito, para que compreendam que estou aborrecida, para que se dêem conta que me entristecem e venham buscar-me e me peçam perdão...
Porém, ninguém vem...

Quando o meu genro ficou doente, pensei ter a oportunidade de ser-lhe útil.
Levei-lhe um chá especial que eu mesma preparei.
Coloquei-o na mesinha e sentei-me a esperar que o tomasse.
Só que ele estava a ver televisão e nem um só movimento me indicou que se dera conta da minha presença.
O chá, pouco a pouco, foi esfriando... e junto com ele, o meu coração.

Então, noutro dia, disse-lhes que quando eu morresse todos se iriam arrepender.
O meu neto mais pequeno então disse:
"Ainda estás viva vóvó ?".
Eles acharam tanta graça, que não pararam de rir.
Durante três dias chorei no meu quarto, até que numa manhã entrou um dos rapazes para retirar umas rodas velhas e nem o bom dia me deu.
Foi então que me convenci de que sou invisivel...
Parei no meio da sala para ver, se me tornando um estorvo, me olhavam.
Porém a minha filha seguiu a varrer sem me tocar, os meninos correram em minha volta, de um lado para o outro, sem tropeçar em mim.

Um dia, em grande agitação, os meninos vieram dizer-me que no dia seguinte iríamos todos passar um dia no campo.
Fiquei muito contente.
Fazia tanto tempo que não saía e mais ainda ia ao campo.
No sábado fui a primeira a levantar-me.
Quis arrumar as coisas com calma.
Nós, os velhos, tardamos muito em fazer qualquer coisa, por isso adiantei-me para não os atrazar.
Rápido, entrávam e saíam da casa correndo e levavam as bolsas e brinquedos para o carro.
Eu já estava pronta e muito alegre.
Permaneci no saguão a esperá-los. Quando me dei conta, eles já tinham partido e o carro desapareceu, envolto em grande algazarra.

Compreendi que eu não estava convidada, talvez, porque não coubesse no carro...
Ou porque os neus passos tão lentos impediriam que todos os demais caminhassem a seu gosto pelo bosque.
Senti dolorosamente como o meu coração se encolheu e a minha face ficou tremendo como a gente tem que engolir a vontade de chorar.

Eu entendo-os.
Eles vivem o mumdo deles.
Riem, gritam, sonham, choram, abraçam-se e beijam-se.
E eu, já nem sinto sequer o gosto de um beijo.


Antes beijava os pequeninos.
Era um prazer enorme tê-los nos meus braços, como se fossem meus.
Sentia a sua pele tenrinha e a sua respiração doce bem perto de mim.
A vida nova produzia-me um alento e até me dave vontade de cantar canções que nunca acreditara me lembrar.
Porém, um dia a minha neta Laura, que acabava de ter um bébé, disse-me que não era bom que os velhos beijassem oa bébés, por questões de saúde...
Desde então já não me aproximo deles.
Não quero passar-lhes algo de mal por minhas imprudências.
Tenho tanto mêdo de contagiá-los.

Eu os bendigo a todos e os perdôo, porque...
"QUE CULPA EU TENHO DE ME TER TORNADO INVISIVEL ?".

Quando já não formos imprescindíveis.
Quando já não formos úteis.
Quando já formos um estorvo.
Ficaremos invisiveis.

A menos que a morte chegue primeiro.
Antes isso...

sábado, 12 de março de 2011

Geração à Rasca ou Geração mal habituada ?


A geração dos meus pais não foi uma geração à rasca.
Foi uma geração com capacidade para se desenrascar.
Numa terriola do Minho as condições de vida não eram as melhores.
Mas o meu pai António não ficou de braços cruzados à espera do Estado ou de quem quer que fosse para se desenrascar.
Veio para Lisboa, aos 14 anos, onde um seu irmão, um pouco mais velho, o Artur, já se encontrava.
Mais tarde veio o Joaquim, o irmão mais novo.
Apenas sabendo tratar da terra e do pastoreio, perdidos na grande e desconhecida Lisboa, lançaram-se à vida.
Porque recusaram ser uma geração à rasca fizeram uma coisa muito simples.
Foram trabalhar.

Não havia condições para fazerem o que sabiam e gostavam.
Não ficaram à espera.
Foram taberneiros.
Foram carvoeiros.
Fizeram milhares de bolas de carvão e serviram milhares de copos de vinho ao balcaão.
Foram simples empregados de tasca.
Mas pouparam.
E quando surgiu a oportunidade estabeleceram-se como comerciantes no ramo.
Cada um à sua maneira foram-se desenrascando.
Porque sempre assumiram as suas vidas pelas suas próprias mãos.
Porque sempre acreditaram neles próprios.

E nós, eu e os meus primos, nunca passámos por necessidades básicas.
Nós, eu e os meus primos, sempre tivémos a possibilidade de acesso ao ensino e à formação como ferramentas para o futuro.
Uns aproveitaram melhor, outros nem tanto, mas todos tiveram as condições que necessitaram.
E é este o exemplo de vida que, ainda hoje, com 60 anos, me norteia e me conduz.

Salvaguardadas as diferenças dos tempos mantenho este espírito.
Não preciso das ajudas do Estado.
Porque o meu pai e tios também não precisaram e desenrascaram-se.
Não preciso das ajudas da família que também têm as suas próprias vidas.
Não preciso das ajudas dos vizinhos e amigos.
Porque o meu pai e tios também não precisaram e desenrascaram-se.

Preciso de mim.
Só de mim.
E, por isso, não sou, nunca fui, de qualquer geração à rasca.
Porque me desenrasco.
Porque sempre me desenrasquei.


O mal desta auto-intitulada geração à rasca é a incapacidade que revelam.
Habituados, mal habituados, a terem tudo de mão beijada.
Habituados, mal habituados, a não precisarem de lutar por nada porque tudo lhes foi sendo oferecido.
Habituados, mal habituados, a pensarem que lhes bastaria um canudo de um qualquer curso dito superior para terem garantida a eterna e fácil prosperidade.
Sentem-se desiludidos.

E a culpa desta desilusão é dos "papás" que os convenceram que a vida é um mar de rosas.
Mas não é
.
É altura de aprenderem a ser humildes.
É altura de fazerem opções.
Podem ser "encanudados" de qualquer curso mas não encontram emprego "digno".
Podem ser "encanudados" de qualquer curso mas não conseguem ganhar o dinheiro que possa sustentar, de imediato, a vida que os acostumaram a pensar ser facilmente conseguida.
Experimentem dar tempo ao tempo, e entretanto, deitem a mão a qualquer coisa.
Mexam-se.
Trabalhem
.
Ganhem dinheiro.

Na loja do Shopping.
Porque não ?
Aaaahhh porque é Doutor...
Doutor em loja de Shopping não dá status social.
Pois não.
Mas dá algum dinheiro.
E logo chegará o tempo em que irão encontrar o tal e ambicionado emprego "digno".
O tal que dá status.

O meu pai e tios fizeram bolas de carvão e venderam copos de vinho.
Eu, que sou Informático, System Engineer, em alturas de aperto, vendi bolos, calças de ganga, trabalhei em cafés, etc.
E garanto-vos que sou hoje muito melhor e mais reconhecido socialmente do que se sempre tivesse tido a papinha toda feita.

Geração à rasca ?
Vão trabalhar que isso passa
.

À rasca, mesmo à rasca, também já tenho estado.
Mas vou à casa de banho e passa-me.

sábado, 6 de novembro de 2010

Ousem Vencer


Somos um povo triste.
Somos um povo de copos meio vazios.
Somos um povo que super-valoriza a desgraça e a má sorte, como forma de valorização pessoal.
Quanto mais desgraçado, mais valor se tem.
Ahhhh!... Ter sempre um dramazinho para contar...
Ahhhh!... Sentir-se importante por ter problemas.
Sentir-se bom por ter sofrido...
É comum ouvir-se : "Coitado, tão bonzinho, tem tanto valor. Tem sofrido tanto..."
É uma expressão que assusta.

Temo-nos baseado grandemente no medo de ser feliz, na culpa de ser feliz e foi-se parar a um quase culto da desgraça e do sofrimento ( padrões altamente valorizados socialmente ).

Mas, eu NÃO !!
Não sou dado a fatalismos.
Recuso-me a aceitar os profectas da desgraça.

Quando algo me corre mal, e já tem corrido, arregaço as mangas, encho-me de coragem, e avanço.
Existe sempre uma solução, mas temos que procurá-la.
Existe sempre uma oportunidade, mas temos de a agarrar.
Temos que acreditar em nós.
Esperar pelos outros, pelo vizinho, pela familia ou pelo Estado, é prova de fraqueza.
É na dificuldade que sobressaiem os capazes.
Só é desgraçado quem se deixa desgraçar.

Agora é a crise.
A crise economica e financeira mundial.

É deprimente a postura mazoquista a que se assiste.
A Comunicação Social focaliza os seus noticiários e reportagens no que de pior esta crise nos trouxe.
A Oposição politica e corporativa aproveita-se das dificuldades conjunturais para "malhar" manhosamente em tudo o que mexe.

É a desfaçatez.
É a mesquinhice.
É o triste fado lusitano.

Em tempo de guerra não se limpam armas.
Em tempos dificeis requere-se acção, não imobilismo.
Em tempos dificeis exige-se coragem, determinação e vontade de vencer.

Na vida a minha atitude é sempre a de:
Apoiar quem faz.
Apoiar quem quer fazer.
Apoiar quem se dispõe, no terreno real, a atacar com determinação os efeitos nefastos da situação.

Sou a favor de quem faz, e faz bem.
Sou visceralmente contra os que "sabem muito", os chamados "sabões".

É estranho, ou talvez não, que de todas as muitas medidas tomadas pelo Governo, nem uma única tenha merecido o apoio sincero das oposições.
Para as oposições tudo o que se faz, está mal.
Tudo o que se faz, se não estiver mal, nunca chega.
Tudo o que se faz, se não estiver mal, vem tarde.

Mas, entre as medidadas do Governo e os devaneios das oposições, vai uma grande diferença.
O Governo responderá pelas suas medidas.
As oposições não terão que responder por nada.
O Governo sabe que o que fizer, de bem ou de mal, será responsabilizado por isso.
Assim, tem de agir ponderada e acertadamente.
Para a oposição, o seu ganho está nos erros que o Governo cometer.

A oposição aposta no fracasso do País.
O Governo aposta no seu sucesso.
E isso faz toda a diferença.

Estamos em crise. Uma crise mundial.
Mas, paremos para pensar.
Pensemos, PORRA...

Há muitos copos meio cheios...
Há muito mais vida, e melhor vida, para além de algumas desgraças, que não quero desvalorizar.

O maior problema desta crise é o aumento do desemprego.
E não me venham, os manhosos arautos da desgraça, dizer-me que esse é um mal nacional.
Eu uso óculos, mas não sou vesgo...
Não.
É um mal global que obviamente nos afecta.

O meu pai, na sua douta sabedoria de experiência feita, costumava dizer-me que os conselhos são fáceis de dar.
Mas, os conselhos valem o que valem.
Se valessem muito, não se davam, vendiam-se.

Potanto não é de conselhos que vou falar.
Vou falar de mim.

Sou Tecnico Informático, Analista de Sistemas.
Comecei há 40 anos quando os computadores eram monstros inacessíveis ao comum dos mortais.
Era um miudo, voluntário na Força Aéria.
Quando a oportunidade surgiu, agarrei-a.
Trabalhei, estudei e consegui.

Toda a minha vida profissional foi feita em grandes empresas e com vencimentos acima da média.
Nunca encarei o emprego como coisa para toda a vida.
Nunca tive medo de mudar.
Se me sentia injustiçado ou mal recompensado, não reinvindicava. Mudava-me.
Sempre acreditei, e acredito, em mim.
Nas minhas capacidades.
Na minha determinação.

Mas a vida tem altos e baixos.
Por culpa do "destino" ?
Por culpa própria ?
Sabe-se lá...

Depois de várias experiências, umas bem e outras mal sucedidas, eis que me vejo no desemprego com 44 anos de idade.

Sem emprego.
Sem projectos.
Sem perspectivas.
Sem ânimo.
Era o fim.

NÃO !!!
Recuso-me a aceitar.

Tinha consciência que com 44 anos era difícil a colocação na minha área profissional.
Mas não era impossível.
Tinha consciência que com 44 anos era difícil iniciar qualquer uma outra nova actividade.
Mas não era impossível.

Respondi a anúncios, fui a entrevistas e os 44 anos a pesarem-me dolorosamente.
Não conseguia.
Mas não desisti.
Continuei à procura.
O tempo passava, e nada.
Tive que deitar mão ao que fosse possível ganhar dinheiro.
Gostasse ou não.
Na tropa ensinaram-me a regra mais sagrada da vida: "desenrasca-te", disseram-me.

Andei de café em café a vender bolos regionais.
À medida que criei uma rede, cada vez maior, de clientes, fui aproveitando esse universo que se foi formando, para vender tudo o que fosse vendável.
Vendi calças de ganga, quadros, estatuetas, telemóveis e eu sei lá...

Vendi milhares e milhares de bolos por todo este País, em feiras e romarias, através de um turco que tinha bancas de venda em feiras mas não tinha crédito nas fábricas.
Criámos uma parceria que muito nos rendeu.

E assim, lá em casa, já não faltava nada.
Até começou a sobrar.

Mas eu era Informático.
Nunca fui vendedor de coisa alguma, muito menos de bolos.

Mas, um dia a persistência resultou.
Depois de tantas e continuadas respostas a anúncios, fui convocado para mais uma entrevista de emprego.
Fui seleccionado.
Fiquei como responsável pela informática de uma grande empresa de transportes.
Mas o mundo das novas tecnologias é muito dinâmico e eu já me tinha atrazado.
Mas não tive medo.
Pesasse embora a minha idade, reciclei-me, aprendi, valorizei-me.
Porque sou capaz.
Porque acredito em mim.
Porque não desisto.

E é este sentimento de esperança e de optimismo que quero transmitir a todos que, neste momento, se confrontam com as dificuldades.

Não esperem por ninguém.
Não queiram ficar reféns do estado social.

Mexam-se.
Ousem vencer.

Hoje, com 58 anos, para além do profissional de informática, agora por conta própria, sou, sobretudo, um profissional de ganhar dinheiro.

Informei-me, documentei-me, analisei o risco e fui investindo moderadamente as minhas economias em aplicações financeiras, no mercado de valores mobiliários.
E também consegui... mesmo com a crise.

Oportunidades há muitas.
Agarrem-nas.
Só é desgraçado quem se deixa desgraçar.

Abençoados os que ousam vencer...