domingo, 9 de junho de 2019

Um Dia Eu Nasci Aqui

Miradouro S.Luzia




UM DIA EU NASCI AQUI
(inspirado no “Eu Sou Português Aqui” de José Fanha

Um dia eu nasci aqui,
Nesta Lisboa do fado,
Criado entre o carvão.
Nascido de pai do norte,
Avesso ao termo sorte,
Dedicado ao ganha-pão.

Um dia eu nasci aqui,
Não em berço dourado
Mas numa vida sofrida,
Numa grande contenda.
Na tasca que era vida,
Do copo tinto.
Da venda.

Nasci na cidade nobre,
No Largo do Limoeiro,
No meio de gente pobre
Mas de grande coração.
Em tempos de nevoeiro
Quando o medo imperava,
Faltava tudo, até o pão.

Um dia eu nasci aqui,
Neste jardim virtuoso
Palco da brincadeira.
Da bola de trapos,
Do gozo,
Do sentimento gostoso,
Da amizade verdadeira.

Vivi,
Nesta Alfama velhinha
Repleta de tradições.
Daquela rua estreitinha
Da luz fosca,
Da penumbra.
Nos carrinhos de esferas,
No berlinde e no pião
Fomos felizes, as feras.

Um dia eu nasci aqui
No meio de outros putos,
Reguilas mas atinados,
Que cresceram,
Hoje são homens
Sempre na vida focados.

Nasci aqui
Era Janeiro,
E nunca esqueci,
Já nesta idade,
O grande valor
Da amizade.

Nasci aqui junto ao jardim
Que sempre foi
Parte de mim.

Ainda não estou acabado,
Nem ausente.
Eu estou na luta,
Na luta dura,
Do velho fado,
Ainda presente.

Um dia eu nasci aqui,
Alfacinha de gema,
Talvez sem jeito

Um dia eu nasci aqui
E tenho este meu Bairro
Bem pertinho,
Junto do peito.

JOÃO BARBOSA
22.Out.2014



O Poema Que Eu Não Queria




 
  














O POEMA QUE EU NÃO QUERIA

É triste perder avós
Que são mais velhos que nós
Podemos até aceitar.
Mas perder quem nós amamos
Mais cedo do que esperamos
É difícil de acatar.

Perder filho ou irmão
Ultrapassa a razão
Da lei natural da vida.
Nos outros imaginamos
Mas nunca nos preparamos
Para coisa tão dorida.

Mafalda era o seu nome
Sofia de sobrenome
Primeira filha a nascer.
Uma tenrinha criança
Cheia de fé e d’esperança
Numa vida para viver.

Assim não quis o destino.
Deixou-nos. Que desatino !!
Não havia outra maneira.
Vinte e três tinha de idade
Quando a vida, que maldade,
Nos passou esta rasteira.

Zé Abílio, meu irmão.
Amigo e folgazão,
Ainda sinto o seu fulgor.
Tinha sede de viver
E sempre conseguiu ser
Adorado com fervor.

Meu irmão e meu herói,
Quando o digo até dói.
Da tristeza que ficou.
Pouco passava dos trinta
Foi apanhado na finta
Que o coração lhe pregou.

A vida continuou
Mas muita coisa mudou,
Ficou a dor, a saudade.
Hoje vivo recordando,
Muitos dias vou chorando,
Mesmo já com esta idade.

É triste um pai perder
E uma mãe já não ter,
Mas perder o nosso irmão
E uma filha tão querida,
São lanças que deixam ferida,
Despedaçam o coração.

Este poema foi escrito
Embora não tenha querido
Um dia ter de o escrever.
Agora que já está feito
Sinto um alívio no peito.
Com eles estive a viver.

João Duarte Barbosa
13.Dez.2014

sábado, 8 de junho de 2019

O Antonio e a Sofia



O ANTÓNIO E A SOFIA

Os meus pais, 
a quem devo tudo o que sou.



O ANTÓNIO E A SOFIA

Se na vida buscas sorte
Para que possas ser forte,
Busca mesmo à nascença.
Porque sorte tive eu
Com os pais que Deus me deu.
O que fez toda a diferença.

O António e a Sofia
Foram tudo o que eu queria
Nada deixando faltar.
Não me deram muito peixe,
Embora eu não me queixe,
Ensinaram-me a pescar.

Com catorze, era um menino,
O António vem do Minho
Para a tasca trabalhar.
Do carvão fazia bolas,
Dava vinho aos bebedolas,
Para dinheiro ganhar.

De empregado de balcão
Logo se tornou patrão
Porque fez economias.
Noutros negócios entrou,
Até três táxis comprou,
Conseguindo mais-valias.

A Sofia, costureira,
Também, à sua maneira,
Tratando dos seus filhinhos,
Com jeito para costurar
Lá ganhava a remendar
Muita roupa dos vizinhos.

E neste esforço conjunto
Que já não se encontra muito,
Nesta casa fui feliz.
Da mãe vinha o carinho,
E do pai, o dinheirinho.
Foi assim que eu me fiz.

Conselhos nunca faltaram
P’rá vida me prepararam
Que a vida tem muito visco.
Não se pode escorregar
Sob pena de falhar
Este contrato de risco.

Na vida, o que mereço
Não se compra, não tem preço.
Tudo, só parte de mim.
É isso que ensino aos meus.
Hoje dou graças a Deus
Por ter tido uns pais assim.

Desculpem que eu não sabia
Nem sequer valor daria
Ao que fizeram por mim.
Hoje sei, também sou pai.
Farei tudo o que puder
E o melhor que eu souber
Para ser um pai assim.

Obrigado, pais.

João Duarte Barbosa
19.Mar.2017